A síndrome de Burnout é caracterizada como um esgotamento físico e mental intenso causado principalmente pelo excesso e exaustão decorrentes do trabalho. Em uma pesquisa realizada pela Internacional Stress Management Association (ISMA-BR), em 2018, 32% dos trabalhadores brasileiros estavam com a síndrome, mais de 33 milhões de cidadãos. Em um ranking entre oito países, os brasileiros ganham de americanos e chineses, ficando apenas atrás dos japoneses, com 70% da população atingida. Segundo a pesquisa, profissões como, professores, policiais, jornalistas, médicos e enfermeiros são as mais afetadas com o Burnout.
Entre os principais sintomas de Burnout, estão: nervosismo, dor de cabeça frequente, cansaço físico e mental, dores musculares, problemas gastrointestinais, alterações de apetite e no humor, insegurança, isolamento e dificuldade de concentração.
Para entendermos melhor sobre a síndrome de Burnout, Bernardo Coimba e Mariana Silva entrevistam a Dra. Linda Vieira, psicóloga do Clude, para debater sobre o distúrbio, suas causas, consequências e tratamento.
O que é e como podemos identificar o Burnout
Bernardo – Iremos falar de um problema que já existia mas que estava muito distante de nós. Ouvimos matérias que no Japão acontece muito e também em alguns lugares da Europa, e que no Brasil parecia um pouco distante, veio a pandemia e isso ficou mais evidente. De repente, começou a aparecer de um lado para o outro a síndrome de Burnout. Doutora Linda, como podemos definir a síndrome e como a diferenciamos de um cansaço ou de uma crise de ansiedade. Como podemos identificar?
Dra. Linda Vieira – O importante é nós falarmos que, em relação ao físico, a síndrome vai se manifestar nas mesmas condições em relação ao estresse, mas a síndrome de Burnout é o esgotamento profissional que define um estado físico-mental de fadiga, que é uma exposição a situações de alta demanda emocional no ambiente de trabalho. Então, se formos estudar bem a fundo, as pessoas que adoecem e que ficam com a síndrome são pessoas que, ao contrário do que muitos pensam, gostam demasiadamente do trabalho delas. Elas gostam muito do que fazem e quando gostamos muito do que fazemos, não percebemos que nossa disponibilidade é quase inteira para o trabalho, surgindo aí as primeiras manifestações no corpo. Então a síndrome acontece basicamente em pessoas que gostam muito do trabalho, que se dedicam muito e ultrapassam suas horas, comprometendo a sua rotina e sua socialização. O Burnout seria mais ou menos no contexto de pessoas que estão hiper focadas. […] A definição que podemos dar é que é o esgotamento que você sente quando não dá mais conta do que você está fazendo. Os primeiros sinais, na verdade, é o enfraquecimento, onde a pessoa vai perdendo a memória com diversos lapsos, que vão comprometendo a sua rotina, justamente no que ela mais gosta de fazer, que é o trabalho.
Mariana – Nós temos 33 milhões de brasileiros com a síndrome de Burnout. Podemos dizer que estamos vivendo uma epidemia?
Dra. Linda Vieira – Vou dizer que sim, embora estatisticamente eu não possa comprovar isso. Mas posso falar baseado nos meus atendimentos clínicos, com pessoas extremamente ansiosas, em um nível de estresse muito grande e a minha primeira forma de investigar isso é analisando a rotina dessas pessoas. Quando eu começo a investigar isso é muito claro a origem desse nível de estresse além do controlável, que causa também a ansiedade. As pessoas não têm mais uma rotina de trabalho, pois devido ao confinamento, muitas delas passaram a trabalhar online, o que tem contribuído para esse esgotamento. Portanto, eu diria que vivemos uma epidemia por conta das pessoas estarem disponíveis para o trabalho 24 horas por dia e as pessoas não se desconectam. Eu tenho pacientes que me falam que os chefes mandam mensagem de madrugada e as pessoas realmente estão vivendo um momento onde elas vão precisar rever e colocar alguns limites porque o adoecimento está chegando forte.
Trabalho: mudança de hábitos para o home office, cobranças e horários além do estipulado
Bernardo – E doutora, isso que você comentou é muito importante. Porque, aqui no Brasil, custou muito desenvolver a cultura do home office, só que desenvolvemos isso de um jeito meio torto na pandemia e entenderam que a “home” era o “office” o tempo inteiro. Por exemplo, para quem trabalha em agência, que foi o meu caso, é muito comum você estar em casa, fazer tudo o que precisava até às 18h30, 19h, e receber uma mensagem às 22h30, perguntando: “Então, você tem aquela senha? Não custa nada! Você está com o computador ligado ainda?”. Às vezes você está cozinhando ou fazendo outra coisa, cuidando da casa ou dos filhos, para quem tem família, então é algo que por mais que seja só “uma coisinha” e “ah não custa nada, é rapidinho”, parece que você não desliga. Então essa diluição dessa fronteira de “deu 18h, você bate o ponto e vai embora e não pega o celular até o dia seguinte”. Quando isso acaba, até que ponto essas situações contribuem para o aumento dos casos de Burnout?
Dra. Linda Vieira – Olha, eu não saberia falar em números de porcentagem, mas posso falar que aumentou muito. É justamente o que você disse: a disponibilidade das pessoas em tempo integral. Eu sempre falo que nada que é isolado vai prejudicar, mas uma sequência disso, é o que vai trazer o esgotamento. Você faz um dia, faz outro, e você compromete tudo na sua vida, suas relações e você compromete também suas interações, e isso vai aumentando ainda mais. Então eu acho que sim, nossa prontidão para o trabalho se tornou maior. Nós começamos achando que seria de verdade essa quarentena e isso não aconteceu. Virou meses e muita gente está terminando o ano de trabalho assim, e como você disse, nós começamos de uma forma meio abrupta nesse ambiente online, sem regras e sem nenhum contexto. Então você vê um líder que manda mensagem de madrugada, ele também está comprometendo a própria saúde e do seu liderado, principalmente. É preciso rever os limites e eu acho que começa por nós. Nós que estamos aqui e que estamos sentindo essa pressão maior, e o corpo já vai dando sinais. Eu sempre falo que o corpo é nosso melhor termômetro, pois é aquela dor de cabeça que você tem por dois, três dias, sendo que não é à toa, e aquele cansaço que você está tendo também não é. A agressividade que não é comum em você também não está vindo do nada, a sensação de desânimo, de apatia, também não é do nada. Então são sinais que nós devemos ficar mais atentos para já começar a identificar de onde está vindo isso, além de analisar essa disponibilidade que nós estamos tendo para o trabalho, praticamente em tempo integral. Quando vou sondando a rotina de um paciente é fácil identificar de onde está vindo tudo isso, mas vamos entrando em outras coisas, de acordo com a demanda e exigência que o mercado está exigindo disso tudo.
Sinais e sintomas de Burnout
Mariana – Inclusive, doutora, teve o caso da ex-repórter da Globo, a Isabela Camargo, que em um trecho de uma entrevista para a revista Veja, falou que a síndrome não começa de um dia para o outro. Ela estava fazendo uma transmissão ao vivo e ela não lembrou que estava falando sobre a previsão do tempo e não se lembrava da capital do Paraná, que é a cidade onde ela nasceu. Ela tentou lembrar e não conseguiu. E um dos momentos que ela até falou que isso aconteceu, quatro anos antes, mas ela não se atentou aos sintomas, ela estava tendo falta de sono, dores estomacais, enfim. Você acha que essa história que aconteceu com a repórter serve como sinal para alertar as pessoas e como podemos prevenir isso?
Dra. Linda Vieira – Serve totalmente como sinal. Eu falo que nós somos nossos melhores observadores e que a melhor forma de fazer isso é nos auto-observarmos. A forma de prevenir é primeiro você identificar os sinais. Nós sabemos lá no fundo que estamos sendo exigidos demais, sabemos que nosso horário não foi combinado, ultrapassando os limites. A forma de prevenir é você começar a colocar limites, não só no outro, mas em você. Você não estar com essa disponibilidade em tempo integral e ficar atento aos sinais que realmente são: agressividade, mudanças de humor bruscas, irritabilidade, dificuldade de concentração, que é uma, no caso dela, lapsos de memória que vão acontecer. Mas o esgotamento é tanto que as nossas funções primárias começam a deixar de funcionar, e isso causa uma sobrecarga enorme. Você começa a ter dores no corpo, começa a comprometer a sua alimentação porque você já não está se alimentando adequadamente, você já está comprometendo o sono, e o sono é um dos principais combustíveis para o dia. Imagine se você não tem uma noite de sono de qualidade, você já dormiu tarde. Então, são vários sintomas que devemos ficar atentos, observar, identificar a rotina, mais uma vez eu vou reforçar a importância de ficarmos atentos à nossa rotina, não considerando apenas o trabalho, pois tanto homens quanto as mulheres atribuíram também as funções domésticas e todas elas se acumulam, e nesse momento presos dentro de casa, sem o social, sem o lazer que era uma válvula de escape, tudo ficou exacerbado. Por isso que eu falo que realmente vamos ter uma epidemia em relação ao cansaço mental, ou seja, a síndrome de Burnout. Eu acho que o ponto de partida é se reorganizar, claro que, no momento em que estamos vivendo, as pessoas estão com medo de perder o trabalho e sempre haverá alguém disponível para fazer aquilo que eu não estou mais querendo fazer, que eu estou colocando limite, e essa competição acaba muitas vezes nos levando ao nosso nível máximo, que é aonde nos leva à exaustão. Vai muito de você rever a sua prioridade. Uma das coisas que eu tenho identificado é que a nossa saúde, embora se fale muito dela, ela não é a prioridade. Só fazemos da nossa saúde um equilíbrio quando adoecemos em função de alguma coisa, e é aqui que vamos olhar para aquilo que nós não estamos atendendo. A nossa prioridade está longe de ser nossa saúde, falamos muito disso, mas no dia a dia, nos meus atendimentos, não é isso que acontece. O trabalho, por incrível que pareça, está se tornando prioridade, porque é através dele que vem tudo: nossa estabilidade financeira e nossas conquistas pessoais, por exemplo. Então acho que o segredo pode estar em tentarmos equilibrar tudo isso e sabermos em que momento vamos priorizar. Eu falo que trabalho demais, e quando focamos muito em alguma coisa é por um período, uma semana, no máximo. Eu vou dar conta de hiper focar, eu vou trabalhar em prol daquele projeto, isso faz parte, no meio corporativo, por um período eu focar muito em determinada tarefa. Agora, quando eu faço disso uma constância na minha vida, vai levar sim à exaustão e à síndrome de Burnout, porque nosso corpo não está adaptado para isso.
Características individuais e cobranças pessoais
Bernardo – Só para fazer um adendo doutora, o psicólogo canadense Jordan Peterson, ele cita em um podcast a respeito de um estudo que conduziram no Canadá com aqueles super escritórios de advocacia que ganham centenas de milhares de dólares por anos, com caras hiper produtivos, e na definição dele é que são pessoas que trabalham 80 horas por semana ou mais. Tirar quatro dias de folga consecutivos, acho que de dois em dois meses ou de três em três meses, aumentava a produtividade deles. Ou seja, isso já colabora perfeitamente com o que você está falando. E o podcast dele é de bem antes da pandemia, acho que de 2018. Então, realmente esse período de descanso realmente auxilia no aumento da produtividade. Portanto, existe algum traço de personalidade ou algum perfil que tem mais tendência a ter Burnout? Por exemplo, uma pessoa perfeccionista, uma pessoa fleumática, uma pessoa colérica, falando de temperamento, existe algum padrão ou qualquer um pode desenvolver?
Dra. Linda Vieira – Eu acho que qualquer um pode desenvolver, porque ele pode ser pressionado para o contexto externo e ele pode trabalhar exaustivamente por N demandas, mas naturalmente pessoas controladoras ou perfeccionistas, pessoas com características de “dar conta de tudo”, elas vão ter uma tendência maior, que a predisposição dela de estar ali em tempo integral ao trabalho é maior também, então eu acho que tem sim. Eu acho que é as duas coisas que você tá falando, mas tem os traços que vão favorecer ainda mais essa pessoa a ter a síndrome. Uma pessoa perfeccionista, por exemplo, não reconhece o limite de parar, ela não sabe esse limite e vai fazendo. Quando vê, ela já não está dando conta, porque o corpo, independente do grau de personalidade, reage da mesma forma. Então acho que a primeira coisa é você identificar e buscar ajuda. A primeira ajuda que as pessoas buscam, é na verdade, às vezes, um médico que vai tratar a questão do estresse e do cansaço. Então a pessoa começa a tomar medicação para a memória e eu ouço muito isso, e quando vê que nada disso resolve. Daí vai, às vezes, para o psiquiatra, e ele então vai dar um medicamento para diminuir, e depois elas vêm ao psicólogo para realmente tratar, identificando a causa e onde começa, porque de nada adianta você trabalhar os sintomas, trabalhar e melhorar, se você continua repetindo a mesma coisa, ou seja, o seu nível de trabalho continua o mesmo, você não reduziu em absolutamente nada. Eu acho que acomete qualquer pessoa, que a pressão que todos estamos vivendo hoje de produtividade é muito grande. Mas só conseguimos produzir de verdade quando a nossa mente está vazia, quando nossa mente está descansada, quando eu conseguir fazer pausas e quando eu conseguir fazer boas refeições, caso contrário, é humanamente impossível exigir do ser humano. E eu acho que as empresas também devem tomar muito cuidado em relação a esse nível de exigência.
Tratamento
Mariana – Falando um pouco do tratamento, como é que ele é realizado? Envolve algum tipo de medicamento? O paciente tem que passar por um psiquiatra? Como é feito o diagnóstico, a terapia vai ficar por um ano, três meses ou vai de cada pessoa?
Dra. Linda Vieira – Olha, eu acho que é um conjunto. Quando um paciente passa comigo pela primeira vez e ele ainda não foi ao psiquiatra, dependendo da demanda da pessoa, do grau de desânimo da pessoa, do grau de irritabilidade dessa pessoa, eu vou o encaminhar para o psiquiatra, porque a medicação entra como mais uma alternativa de ajuda para essa pessoa, que muitas vezes, não está dando conta de produzir sozinha os neurotransmissores ideais e ela vai para o psiquiatra, que irá indicar a medicação adequada para que ela possa junto com a medicação, ir fazendo as mudanças fisiológicas. Então a terapia, não tem um tempo estabelecido para começar e terminar. É aí que eu acho que entra muito da pessoa: dela conseguir de verdade entender o que a levou para essa exaustão, o que causou essa exaustão, se foi realmente o nível máximo de dedicação ao trabalho e que ela tem que mudar alguma coisa. Eu atendi uma paciente enfermeira há um tempo, que já é uma profissão que está aí na linha de frente do Burnout, e ela disse que trabalhava em três turnos, ou seja, na folga de uma pessoa, que ela deveria estar de folga, ela pegava outro turno, e na folga dessa que ela deveria estar de folga, ela pegava um outro turno. Então, ela praticamente trabalhava 24 horas por dia, e começou a comprometer tudo nela, causando sobrepeso, irritação e cansaço. Foi aí que quando avaliamos a sua rotina ela entendeu que deveria diminuir o ritmo, mas tem pessoas que gostam, e muitas vezes, devido às necessidades financeiras elas se mantêm assim. Elas vão chegando num ponto, num limite que é insuportável, que é o que leva o Burnout. Então cria-se uma equipe: o psicólogo, o psiquiatra, e principalmente, a pessoa que está inserida na situação, para conseguir ter a consciência do mal que ela mesmo está se causando e que toda essa luta de ter uma estabilidade financeira ela pode muitas vezes não usufruir do que ela conquistou por não ter saúde. É muito impactante, mas às vezes leva um tempo para a pessoa se perceber e perceber que ela mesmo está se prejudicando e comprometendo sua saúde.
Trabalho e tarefas excessivas
Bernardo – E doutora, você tinha comentado sobre os períodos de hiper foco. Eu lembro muito da época da faculdade, que em alguns cursos noturnos era muito comum o estudante passar o dia trabalhando, das 9h até às 18h e chegar na faculdade e ter aula de 18h30 até 23h e pouco, voltar para casa, dormir e começar tudo de novo no dia seguinte. Obviamente levando-se em consideração que a pessoa tem seus 20 anos e que é um período da vida que demanda muito esforço e que dá início à vida adulta. É saudável fazer isso durante um período, de 2 ou 3 anos, para dar “aquele gás” e isso pode trazer sequelas ou é um período muito curto, muito fechado, que a pessoa sabe exatamente porque está fazendo isso e por quanto vai fazer isso?
Dra. Linda Vieira – Cada corpo vai reagir de uma forma. Naturalmente que o jovem, nessa faixa de 20 aos 30 anos, metabolicamente falando, ele tem mais energia e mais disposição física para tudo isso, mas até para esses jovens, quando eles fazem da própria vida uma privação, o que mais afeta esses jovens são os relacionamentos sociais, porque eles vão ter que se afastar desses relacionamentos sociais para poder hiper focar por um tempo naquilo que desejam. Às vezes, não é tanto pelo cansaço, mas pela privação daquilo que ele teve. E muitos optam por não namorar sério por um tempo, por exemplo, e muitos optam por não sair e isso vai comprometer, porque você ficar um mês, dois, sem sair com os amigos, pode não ser nada, mas agora imagine você por um longo período? Então acho que vai muito daquilo que a pessoa está desejando: se ela entende e consegue lidar bem com isso no dia a dia, maravilha! Ela tem que aproveitar mesmo esse período, porque é nele que tudo vai acontece, a formação, o início na carreira, entre outros desafios, mas eu acho que tem que ficar atento a tudo. Eu sempre falo que a privação das coisas na nossa vida elas não devem ser uma constância, e a pessoa não vai sustentar isso por muito tempo. […] Imagine você um jovem que se dedicou à carreira, concursos, enfim, e lá na frente, suponhamos que deu certo e isso é perfeito. Mas assim, mesmo ele vai questionar o tempo que ele perdeu por conta disso tudo. Imagine quem, de repente, não deu certo, não passou no concurso, na faculdade que queria e se dedicou anos para isso. Ele vai sentir falta de tudo que ele abriu mão. São escolhas e elas não são fáceis de serem feitas, pois sempre irão acarretar em uma renúncia. Eu preciso identificar aquilo que eu estou disposto a renunciar naquele momento, mas eu acho que todo esse contexto, as pausas vão ser importantes. Aquele lazer com o amigo, aquela caminhada, aquela atividade física que não pode faltar mesmo numa pessoa que esteja hiper focada, que é a forma que nós temos de extravasar isso tudo. Nós precisamos sair do contexto de trabalho para sentir que tem mais coisas além disso, nós tornamos tudo um contexto de estudo ou de trabalho, como fica as outras áreas da nossa vida que não podem ser esquecidas em hipótese alguma? Dos pacientes que eu atendo, isso não é muito exclusivo dos jovens e já é mais comum nas pessoas que já estão inseridas no mercado de trabalho e que não querem perder as oportunidades e vão abraçando todas elas sem avaliar se aquilo vai dar conta ou não.
Papel das empresas
Mariana – Doutora, falando um pouco sobre a parte das empresas e da síndrome de Burnout nelas, como elas podem atuar contra isso?
Dra. Linda Vieira – Muitas empresas hoje já identificaram que sai muito mais barato para elas, em termos de encargos e de custos, ela manter um funcionário saudável na empresa, tanto que muitas empresas oferecem no meio do expediente uma pausa maior, oferecem agora um trabalho home office, porque identificaram que o funcionário produz muito mais, até porque a ida e o retorno do trabalho desgasta muito, então tem empresas já que estão muito atentas à saúde do trabalhador, do seu funcionário. Então eu acho que esse é um bom começo, onde as empresas possam fazer detalhadamente uma entrevista com seu funcionário para saber como é a vida dessa pessoa, qual é a sua rotina e saber mais do que o funcionário dizer ali “eu visto a camisa”. Mas a que ponto essa pessoa está, qual é o preço que essa pessoa está disposta a vestir a camisa? Isso não tem nada a ver com o grau de comprometimento, posso me comprometer perfeitamente com a empresa mas saber o limite de me cuidar também. Então eu acho que as empresas podem contribuir no sentido de valorizar a sua equipe, de analisar o perfil de cada pessoa que está sendo exigida a colaborar além do normal. Para se ter uma ideia, os hospitais, em relação aos turnos dos enfermeiros, eles têm os descansos, de 24 por 32, porque eles já entendem que, principalmente profissional da saúde, não vai dar conta de ficar ali fazendo mais um turno. Eu acho que as empresas também podem passar a ter esse olhar mais atento ao quanto está sendo exigido daquele líder, que são mais exigidos. E aquelas pessoas que estão sempre dispostas, que não têm família, marido, esposa e filhos, essas vão ser as pessoas que mais vão adoecer, porque elas estão mais disponíveis para o trabalho, mas acho que tudo é muito individual. Há pessoas que isso tudo vira um lazer, enquanto outras não lidam bem. Eu acho que tem muito que ver na própria entrevista, quando isso acontece. E como é importante também investir no desenvolvimento humano dessa pessoa, creio que fazer uma avaliação de satisfação dos funcionários é importante, porque às vezes os funcionários estão ali num nível de insatisfação e a empresa não tem esse olhar para isso, elas estão sempre com uma equipe reformulando os cargos porque para a empresa sempre vai ter um custo menor manter esse funcionário do que o dispensar, além de ter que treinar e contratar um novo profissional. Por isso, eu acho que ainda vale a pena manter esse funcionário e dar uma melhor qualidade de vida em relação ao trabalho.
Bernardo – E doutora, o quão fácil ou o quão difícil é para a empresa conseguir identificar esses casos? Como é que ela faz isso? Empresa que não tem um profissional de saúde mental alocado interno, por exemplo, já não consegue identificar?
Dra. Linda Vieira – Vai depender muito do empregador, do líder, para ele abrir esse espaço ao funcionário. Hoje temos várias formas para trabalharmos isso, como por exemplo, caixinhas onde os funcionários podem colocar suas sugestões, virando uma coisa mais direta. Empresas menores, por exemplo, que não tem um profissional ali à disposição, eu acho que a abertura do empregador em estar tendo esse olhar humanizado, está perdendo um pouco esta característica, pois estamos escolhendo pessoas que produzam, só queremos pessoas que produzem e esquecemos que quem produz é o ser humano e ele vai estar ali, até para controlar uma máquina. Eu acho que as empresas podem abrir caixinhas de diálogo ou fazer reuniões, sendo que muitas pessoas não se colocam, pois elas têm medo de perder o cargo se falar que estão doentes, então a pessoa só vai se afastar mesmo quando ela adoecer. Ainda tem um olhar muito distorcido para as necessidades do trabalhador, principalmente quando ele diz que faltou porque está adoecido. No caso desta própria jornalista aconteceu isso, quando ela retornou ela foi mandada embora, porque foi desconsiderado o grau da doença que ela tinha, então eu acho que ainda vai levar um tempo para a gente conscientizar as pessoas e os líderes de que o trabalhador, quando exigido demais, ou quando sob pressão, ele vai adoecer, de uma forma ou de outra. A empresa tem que também se especializar e não é só ela ser uma líder, mas sim, estar atenta às necessidades primárias do ser humano e do trabalhador, consequentemente.
Medos e frustrações dos colaboradores
Mariana – Doutora, falando um pouco referente a esses profissionais que têm essas carreiras mais estressantes, por exemplo, piloto de avião, segurança, enfermeiro e médico. Você acredita que eles têm esse receio de falar que precisam de ajuda e, de certa forma, esses profissionais implodirem e caírem nessa síndrome de Burnout. Eles ainda têm esse medo, às vezes, também por perder o emprego, e de não conseguir seguir com o sonho da carreira, mas você acha que eles têm essa dificuldade ainda de falar que precisam de ajuda?
Dra. Linda Vieira – Sim e tem muita dificuldade. É muito difícil a pessoa atribuir o que ela está sentindo a algo mais grave ou ela acreditar que aquilo que ela está começando a sentir vai se tornar algo mais grave se ela não olhar agora. Eu acho que uma das coisas que mais acontece é que a pessoa fica tímida, ela trava, não consegue dizer ao seu líder que está passando por uma situação X ou Y, por medo de ser substituído, por medo de se afastar, de perder o emprego, porque a concorrência é gritante, e sabemos que cada pessoa que sai, outro vai entrar no lugar. E por um tempo ele vai produzir até o ciclo vicioso acontecer, e é isso que vai acontecer. É por isso que a empresa tem grande responsabilidade, porque se ela vem perdendo funcionários com a mesma estratégia, com o mesmo diagnóstico. Então cabe a ela mudar a forma de conduzir, pois imagina que você perdeu um funcionário e qual foi o diagnóstico? Síndrome de Burnout, esgotamento físico e crise de ansiedade. Aí ela contrata um outro, se ela continua agindo da mesma forma, com a mesma exigência, esse funcionário por um tempo vai dar conta, mas é óbvio que não vai conseguir manter isso por muito tempo. Mais um funcionário. Então são olhares que precisam estar atentos à repetição do que está acontecendo. Agora, é muito difícil você dizer para uma pessoa, a mim, por exemplo, quando atendo um paciente, eu procuro mostrar da onde está vindo, mas às vezes, a pessoa só tem aquele trabalho, levou meses para conquistá-lo, e é a grande chance da vida dele, então vai ser difícil ele olhar para si mesmo, para a própria saúde e colocar limites. E não fazer ou não aceitar algo a mais para fazer, um plantão a mais, um voo a mais, que são as pessoas que são as carreiras que mais se submetem à síndrome de Burnout. Então, acho que é um contexto muito grande, e precisa falar mais sobre síndrome de Burnout. Foi muito pertinente vocês comentarem sobre isso nesse momento, onde as pessoas estão muito sobrecarregadas com a demanda toda e com as exigências, e a conscientização é importante, pois quanto mais falar do que acontece, quanto mais falar que as pessoas hoje estão tendo direitos trabalhistas com relação a isso, parece que foi aprovado isso, então, as pessoas agora têm respaldo jurídico para isso, o que as pessoas acham que não. Ainda há uma grande distorção sobre isso, porém, só quem vive sabe o que está sentindo e decidirá o que é melhor, então não tem muito como a gente fazer. Podemos conscientizar, fazer o nosso trabalho e falarmos, mas cada um é que vai saber o que vai ter que escolher, mas sempre prezo pela saúde. Não podemos abrir mão da nossa saúde em prol de nada. Uma vez eu atendi uma paciente que já estava afastada duas vezes do trabalho por conta de um esgotamento grande, não foi diagnosticado síndrome de Burnout e ela teria que fazer uma cirurgia, e eu perguntei para ela se ela fosse afastada do trabalho definitivamente, como seria para ela, e ela respondeu que assim mesmo ela trabalharia. Então é muito difícil, o ser humano é uma caixinha de surpresas. Mas eu acho que não deve ter medo, tem que falar que está doente, tem que falar que está passando por isso, tem que falar. Esconder só vai retardar o acontecimento, mas tem medo sim, tem muito medo.
Pandemia e profissionais da saúde
Bernardo – Doutora, pra finalizar, esse tipo de coisa é ainda mais grave, mais sensível, com profissionais da saúde? Imagino que o mundo sem pandemia já é bastante estressante para o profissional da saúde, no mundo com pandemia, como está a situação desses profissionais da saúde tendo que lidar com o volume de trabalho com Burnout?
Dra. Linda Vieira – Eles estão lidando, essa é a verdade. Tem aí o cunho ético de cada profissional, o seu juramento profissional que foi feito, e essas pessoas têm um desejo de ajudar o próximo e em prol de ajudar o próximo a pessoa acaba esquecendo de si mesmo, por isso, os profissionais da saúde estão adoecendo, mas é que pouco se fala. Se formos fazer uma pesquisa na área da saúde e vermos quantas pessoas estão ali na linha de frente. Eu atendo uma enfermeira e ela já está afastada há um tempo porque ela trabalha em dois setores extremamente difíceis, e um deles é o setor do COVID, e é um momento muito sério, é um momento muito delicado, onde nós que estamos aqui do lado de cá, por exemplo, devemos estar prontos para atender essas pessoas, acolher e mostrar para elas que elas podem fazer grandes mudanças diminuindo um pouco o seu ritmo. Eu acho que nós termos esse olhar para nós mesmos porque, entenda, se o outro não olhar para nós, cabe a nós fazermos isso, cabe a nós olharmos para nossas dificuldades e para nossas limitações e não ter medo de admitir que nós somos limitados em muitas coisas e nós não somos perfeitos, vamos errar, falhar e vamos adoecer, e eu não vou conseguir atender toda a demanda do mundo né, mas eu cuidar de mim eu já estarei contribuindo e muito, pelo menos ocupando um leito a menos nos hospitais.
Como conseguir ajuda psicológica
Bernardo – E para finalizar, vamos falar de nós mesmos: vamos fazer aqui uma meta conversa. O Clude oferece orientação psicológica através de chat das 8h até às 20h, caso tenha alguma coisa alguma situação, é só pegar pelo aplicativo já que fala com um profissional da saúde mental e oferece consulta com o psicólogo também dentro da sua plataforma. Conta um pouco mais como o Clude pode ajudar esse profissional, especialmente nesse momento de pandemia?
Dra. Linda Vieira –O que muitas vezes afasta a pessoa da psicoterapia é ela achar que é por um tempo indefinido. E às vezes não é. Essa pessoa pode procurar o Clude como se fosse um plantão psicológico, ela falar do que ela está sentindo, às vezes a pessoa precisa de um espaço, de um momento de acolhimento, de escuta sem julgamento, onde a pessoa, o profissional, que está atendendo possa pontuar aquilo, e às vezes uma simples mudança mínima vai fazer toda a diferença na vida desta pessoa. Que as pessoas não tenham receio de procurar ajuda, o Clude está oferecendo essas possibilidades infinitas desses profissionais e que as pessoas fiquem atentas pra isso, para esse cuidar no individual, e pode procurar porque vai ser acolhido, vai ter uma escuta e ainda vai ter aí uma orientação para o que possa fazer. Então é só chegar!